O alto preço
Chegou, enfim, a hora de comprar o tão sonhado apartamento; três quartos num bairro simpático seria o máximo, mas uma casinha modesta numa ruazinha fora do centro também seria demais. Tem em caixa R$ 100 mil -o que significa que pode chegar aos R$ 120 mil/R$ 150 mil, dependendo da forma de pagamento. Você acorda no sábado disposta a se dedicar a essa agradável missão: pega os classificados, vai marcando o que interessa, e começa a telefonar.
Mas se pensa que vai conseguir qualquer informação, está redondamente enganada. As imobiliárias, todas elas, pedem seu nome e telefone e dizem que o corretor vai ligar em seguida. Facilitaria muito se dissessem logo que o preço daquele que parece feito sob medida custa um milhão de dólares, mas não: só vai saber quando o corretor telefonar.
Digamos que você tenha visto oito anúncios que parecem interessar; vai ter que dar oito telefonemas e esperar que oito corretores chamem de volta, oh vida.
O expediente começou às nove, mas às 11h30 ainda não aconteceu nada, e tem mais: como todos os apartamentos anunciados estão na mão de todas as imobiliárias, isso faz com que você obtenha informações de um mesmo apartamento de diversos corretores, o que pode levar qualquer um à loucura.
Depois de descobrir essa perversa realidade, tenta, para não perder tempo, saber a rua do imóvel para passar pela frente do prédio e ver se simpatiza, mas não consegue. Informações por telefone, nem pensar.
Vai ter que comprar um caderno, uma caneta Futura vermelha e escrever os endereços, preços, forma de pagamento, nome da imobiliária, nome do corretor, número do celular do corretor, e muito cuidado: se caiu na mão de um deles e, por engano, telefonar para outro, pode estar arriscando a pele -com corretor não se brinca. E mais: quando ouvir a pergunta, bem sutil, 'está querendo vender o seu?', responda não, não e não. Se cometer a loucura de dizer que sim e ainda por cima der o endereço, vai se arrepender de ter nascido.
Apartamentos não faltam, mas os que interessam custam sempre pelo menos 40% a mais do que o dinheiro que se tem. Quem sabe abre mão de um quarto em troca de um terraço com piscina? Piscina é o sonho dourado de qualquer pessoa, só que as tais piscinas costumam ser do tamanho de uma bacia.
Durante três ou quatro fins de semana não vai fazer outra coisa a não ser visitar apartamentos e logo chega à conclusão de que nenhum se parece, nem de longe, com o que estava escrito no anúncio, e começa a se conformar a ficar onde está até o último dos seus dias - e pagando aluguel.
Mas tudo na vida tem seu lado bom; se você é sozinha e carente, e quando chega em casa não costuma encontrar um só recado na máquina e se sente arrasada, desprezada, abandonada pela humanidade, essa pode ser a grande solução de sua vida.
Ligue para uma imobiliária e diga que quer comprar um imóvel; que tem um, mas quer outro, maior, e precisa fazer uma operação casada, isto é, vender o seu para comprar o outro.
Nunca mais seu telefone vai parar de tocar, e um dia você vai sentir saudades do tempo em que se sentia só no mundo e podia ler um jornal sossegada.
Aí, só trocando de telefone, de cidade, ou talvez até de país.
Coluna de hoje da Danuza Leão, na Folha.
Tudo tão bem colocado que a deixo falar por mim.
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