19.7.07

- Alô, senhora, estou ligando para avisá-la que o pagamento da taxa de manutenção está em aberto desde o ano passado.
- Ah, sim, claro.
- Nós podemos emitir um boleto...
- Não, não, posso passar aí no sábado para acertar?
- Sim, claro.

Acordou com a pesada sensação de dever a ser cumprido. Ainda tentou arrecadar companhia, mas aquilo não era favor que se pedisse.
Quarenta e cinco minutos de avenidas livres e alguma tensão. Estaciona perto da administração, dá os nomes, preenche o cheque. Enquanto sai a nota, faz assunto querendo saber o que é inumação, quando se paga taxa de fiscalização do município, o porquê de um preço ser tão mais alto que o outro. Pra que eu tô perguntando isso, meu Deus.
Burocracia resolvida, agora era tomar coragem. Vontade de ir lá não tinha nenhuma. Mas a culpa de não ir? Mais de um ano sem colocar o pé lá... Tô sem um real em dinheiro vivo. Se a floricultura aceitar visa electron, eu vou, senão paciência.
Aceitava. Pediu dois maços de flores do campo, coloridos, vistosos, um para cada um, um em cada braço, mais os suportes para fixar na terra, mas a bolsa, ufa. Ia a pé, sempre foi a pé, é pertinho da entrada. No caminho, a capelinha com suas velas, acender velinha não, não tô com saco para isso, as salas com as pessoas rezando do lado de dentro e chorando de óculos escuros do lado de fora.
E não é que não achava o lugar??? Que vergonha, zanzando de fileira em fileira, olhando as placas no chão, o povo do velório observando de longe. Como é que ela pode ter esquecido onde ficava o túmulo dos próprios pais?
Ufa, achou.
Oi gente, desculpe o sumiço. Não venho mais aqui como deveria, nem em finados, nem nos aniversários, mas sei lá, estava ocupada vivendo minha vida. É triste vir aqui. Porque não é como se eu precisasse desse ritual todo para lembrar de vocês, sabem? Enfim, espero que entendam.
Juntou as duas mãos, rezou daquele jeito lá dela, enxugou as inevitáveis lágrimas e foi embora. Atrás, pareceu ouvir, duas vozes em uníssono, gentis: Claro que entendemos, meu amor. Filho a gente cria pro mundo.
O bom da volta demorada é que deu tempo de se recompor.

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