2.3.13

Eu vendi boa parte das coisas do meu pai, depois da sua morte. Precisava juntar dinheiro, não tinha onde guardar, as lembranças de alguns objetos eram mais doídas do que boas. Mas alguma coisas ficaram, como o balde de gelo laranja, as garrafinhas de slivovitz, as cadeiras da cozinha que viraram minhas cadeiras da sala de jantar.

Quadros, tapetes (persas, minha avó não se conforma até hoje), sofás, cama, todo o resto foi. Uma das coisas que eu queria muito ter mantido, mas não pude foi a geladeira Frigidaire vermelha, não havia espaço nem fazia sentido guardar algo tão velho que só ia dar trabalho e gastar uma quantidade absurda de eletricidade.

Quando montei meu apartamento, descobri que geladeiras coloridas são coisa para gente com orçamentos bem maiores que o meu. Descobri que era possível mandar pintar uma branca normal, mas depois que comprei, entregaram e a liguei na tomada, nunca mais me mexi para fazer isso acontecer. Sempre ficou na minha cabeça, até falava disso no blog, mas deixei para lá.

Apareceram esses frigobares coloridinhos da Brastemp uns anos atrás, mas também nunca me animei muito. Achava uma graça, mas o preço me desanimava. E onde ia colocar? Ainda estava na ressaca da decoração de interiores da reforma do apartamento, não queria nem saber de mexer na casa.

Aí veio dona Dilma Rousseff e abaixou o imposto, a geladeirinha ficou com um preço mais viável, eu comecei a achar minha sala muito vazia e taí "vou fazer uma espécie de bar dessa geladeira". Empolguei e comprei. Quando fui escolher, achava as outras cores (amarela, azul bebê e preta) duzentas vezes mais bonitas e diferentes, a vermelha era tão lugar-comum, todo mundo tinha, aparecia em tudo quanto é revista.

Mas a essa altura eu já estava com a sala mais arrumada, e não havia mais essa liberdade de cores toda (já havia sido um esforço juntar tudo que existia em uma paleta mais harmônica). Já havia muito preto, azul bebê não combinava de jeito nenhum e aquele tom de amarelo era apagado demais para o resto do ambiente. Vermelha combinava, então comprei vermelho, assim, guiada apenas e tão somente pela minha sensibilidade estética.

Quando ela chegou, arrumei o balde de gelo do meu pai, as garrafas de bebida que tenho mas mal tomo, coloquei uns sucos e refrigerantes dentro e esqueci o assunto. E hoje, só hoje que me toquei: finalmente tenho a geladeira vermelha que eu tanto queria. Com uma outra função e bem menor que a original. Uma metáfora perfeita para as minhas heranças sentimentais.



(Carlota achando que é uma garrafa de single malt, foto do meu instagram)

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro quando você atualiza esse cantinho... E quando não, leio os antigos... É sempre um prazer ler tudo o que você escreve...