15.12.05

Animus
Amigos nos apresentaram num café do East Village. Alto, magro, moreno, Nikolai tinha olhos verdes faiscantes, um sotaque britânico picareta e chamava todas as mulheres de “lady”.
Com esse nome e essa descrição, era surpreendentemente alemão. Com um leve ar de enfado de quem sempre tem que ser explicar, completava: meu pai é búlgaro, puxei a ele. Não diga, interrompi rapidamente, e contando toda a minha história enfadonha consegui capturar sua atenção.
Passamos dois meses trocando mensagens de texto que mais pareciam cartas, morando a um quarteirão de distância um do outro.
Não sei falar búlgaro, pareço diferente, meu pai é um cara muito estranho, não conheço meus parentes, sempre tiram uma comigo que tenho nome de membro da KGB, estou em Nova York de passagem.
Você também????
A curiosidade era mútua. Cismei que queria almoçar lá onde ele trabalhava, na tal organização das nações unidas. Tinham me avisado que era um bom programa, a vista da cantina dos funcionários para o rio era linda.
Andamos pelos corredores, ele todo prosa, mostrando isso e aquilo. Estátuas, quadros, relíquias. São presentes de todos os países, mas estou aqui há mais de um ano, ainda não achei o da Bulg... Estaquei na frente de um afresco medieval, a caminho da cafeteria. Era um casal nobre, o rei dando as mãos para a rainha, fascinante. Chego perto da etiqueta, vamos ver de onde é.
Não acredito que você achou, em meia hora, o que não consegui ver em tanto tempo.
Dias mais tarde, um jantar. Depois de um tanto de saquê, ele subiu ao meu apartamento. Mal entrou, pediu: lady, me manda embora daqui, agora.
Por quê?
Só me manda, por favor.

Mandei.
Foi a última vez que nos vimos. Depois, só mensagens de celular tão longas que vinham em duas ou três partes, cheias de desculpas por não sei bem o quê, e um telefonema bêbado na véspera do meu retorno.
Ele era eu; eu era ele. Nós sabíamos disso. E, confrontados na frente um do outro, tal qual espelho, fugimos.

Um comentário:

Ana Weiss disse...

Menina, que medo